12 de abr. de 2011

Fazer o Bem sem Olhar a Quem!







A Verdadeira História da Doutora Flor



"Mais um dia o despertador tocou. Ela se levantou no mesmo horário de todos os dias, fez todas as atividades matinais que sempre fazia. Arrumou-se para ir mais um dia para o colégio. Olhou-se no espelho e não se reconhecia: Tudo que via era alguém sem identidade, com medo e infeliz. Mas ela tinha de ir até lá, não tinha saída e muito menos escolha e também não poderia contar o que vivia todos os dias. Era segredo. E era um segredo que doía."
Todos já sofreram algum tipo de preconceito na vida: Gordo, negro, pobre, rico, branco, magro, feio, bonito, dentuço, orelhudo; Ninguém escapa do famoso bully. Nem eu escapei por muitos e muitos anos. Esse assunto sempre foi difícil para mim conversar com qualquer pessoa, na realidade ninguém sabe além de uma. Não me sentia com vontade ou com liberdade de contar a qualquer um, afinal ninguém realmente me ouvia. Aquilo era meu, minha dor, meu choro cotidiano, minha vergonha e meus medos. Resolvi contar à vocês por coisas que já passei e provavelmente depois disso não terei mais segredos a contar. Muito prazer, meu nome é Camila Freire Nobre, a mais gorda de todas.
O horror e o desespero começava quando o despertador tocava. Simplesmente não queria: nem levantar, nem me olhar no espelho e tão pouco existir. Minha barriga retorcia de dor, de medo e queria poder ter uma desculpa nova todos os dias só para não ir ao colégio. Da 4º série até o 1° colegial era vítima de bully. Sempre fui acima do meu peso: baixinha, cabelos cacheados, muito branca. Não era a beleza que as pessoas gostariam de ver, e sim o que elas queriam como alvo. Quando o carro encostava na porta do colégio sabia que ali terminara a minha paz. Os olhares que me seguiam pelo colégio me matavam: era de uma ponta a outra, de um lado para outro só risadas e criticas. Me deixavam sozinha, não queriam encostar em mim. Era como se em minha testa estivesse um cartaz escrito: "Oi, meu nome é camila e eu tenho lepra. Não encostem em mim!". Todos os dias encontravam um novo apelido, um novo insulto. Desde os mais baixos aqueles mais bobos... Mas tanto fazia. Eles doíam e doem até hoje quando lembro.
Eu era pequena. Ainda não sabia me defender, não sabia xingar palavrão, não sabia dar murro, não sabia abrir a boca. Tudo o que aprendera ali no meio daqueles olhares não fazia sentido. Coisas como: "respeite o seu próximo" ou "não trate os outros com indiferença" não existia naquele meio. Tentava imaginar como podiam existir tantas pessoas com vontade de machucar outras. Ninguém fazia questão de me conhecer, de saber como eu podia ser legal e amável. Tinha nojo, essa era a palavra.
Tinha dias que eram um pouco mais fáceis. Eu me escondia, fingia que não ouvia. Agora tinha dias que era demais pra mim, era tanto que as lágrimas não tinham dimensão alguma. Aquelas horas pareciam não passar: queria ir embora, queria estar em qualquer lugar aonde não houvesse um julgamento contra mim. Queria ter amigos e não podia, queria sorrir mas não conseguia, queria chorar no colo de alguém mas só tinha meu travesseiro. Queria morrer, mas Deus não deixava.
Suicídio lento era o processo. Eu morria dentro de mim. As críticas iam penetrando em minha alma, iam dominando o meu espírito e contaminando cada parte boa que ainda existia em mim. O meu coração só chorava. Perdi coisas e momentos que nunca vou poder repor. Perdi fases por ter medo do que pensariam ao meus respeito.
Quando chegava em casa me sentia sem forças, me sentia sugada. Tomava um banho tentando tirar tudo o que haviam dito sobre mim, esfolava minha pele com o sabonete quase como uma súplica: "não sou nojenta!". Chorava copiosamente buscando só uma razão pra continuar vivendo aquilo. Não encontrava. Só eu sabia como doía, como era nojento ouvir tudo aquilo todos os dias. Vivia quieta, clamando por qualquer tipo de misericórdia, nem que fosse o mínimo. Mas não tinha, de ninguém. Tinha vergonha, porque até da minha própria família sentia o preconceito. Cheguei a ouvir: "Sua gorda, sua porca. Como pode ser assim?". Depois de ter ouvido isso da própria pessoa que me fez, só pensava em tirar a minha vida. Como você se sentiria em ouvir isso? Tudo se confundia.
O dia mais dolorido de todos me lembro até hoje. Como já passou, posso contar a todos vocês. Estudei em um colégio onde era uma sala em cima da outra. Os alunos mais velhos tinham que passar por uma janela de vidro que dava para ver minha sala inteira. Todos estavam concentrados e então os alunos começaram a subir as escadas. Eu sempre sentava no fundo, porque queria ficar longe de qualquer tipo de olhar. Então, um a daquelas pessoas sem coração abriu um dos vidros e parou a aula. Todos olharam para ele achando que era algum tipo de aviso da direção, mas não. Apontou para mim e no meio de risadas disse: "Olha aquela menina! Ela é a mais feia de todas. Deveria nem existir, deveria ficar em casa. Tem coisa mais insignificante que isso? Deus me livre." E fim. Aquilo foi o fim. Os olhares que eu tentara evitar o dia todo não adiantaram porque nessa hora todos concordaram. Saí da sala e inventei qualquer dor para que minha mãe fosse me buscar. Segurei todas as lágrimas até chegar no meu quarto e quando finalmente vi que estava sozinha, meu coração cortou-se, derramei as lágrimas mais amargas que já havia experimentado. Essas palavras me ferem até hoje, por isso nunca gostei de falar sobre isso e muito menos na época.
Nesse dia estava sozinha em casa e queria achar qualquer motivo que me fizesse parar de pensar. Não tinha coragem de comprar bebida, nem cigarro e muito menos drogas. Essas coisas nunca me passaram pela cabeça. Também nunca tive vontade de planejar uma vingança e atirar contra todos da minha sala e depois me matar, isso é muito moderno pra mim e eu odiava qualquer tipo de violência. Me olhava no espelho e começava a sentir raiva de mim. Do meu corpo, dos meus olhos, de tudo. Acreditava que só quem eu podia machucar era a mim mesma, e foi isso que eu fiz, pela primeira vez. Depois de sentir a dor física e mental de ver o seu próprio sangue escorrendo, escrevi desesperadamente: "Mais uma vez estou sentada no chão do meu quarto, ouvindo músicas tristes. Acho que fiz isso pra tentar esconder a dor... Pareceu-me a forma mais certa de distrair a minha dor interna e só sentir a externa. Deus! Porque tudo isso? Só queria ir embora. Minha vida escorre por minhas mãos e pulsos e eu já não escrevo mais coisas belas. Quantas vezes mais vou ter que suportar essa dor? Desisto. Já não acredito mais em mim mesma. A vontade de me ver fora daqui é imensa. Queria ser perfeita para todos, talvez de plástico. Pelo menos seria amada, não por mim, mas por outros que me machucam tanto. Perdida eu grito por dentro, rasgo minha caixa torácica, perco o ar de tantas lágrimas."
Não. Eu não queria morrer. Só queria que não doesse tanto. Nem tinha coragem de deixar a única pessoa que sorria de verdade pra mim, a única que ainda me fazia sentir vontade de viver. Minha mãe, diferente de todos, me chamava de linda, dizia que eu seria alguém na vida e faria muito bem a todos. Era só por ela e pra ela que eu levantei daquele chão e estanquei aquele sangue, cobri aquele rasgo que estranhamente não doía.
Os dias continuavam iguais e sempre pioravam. Em todas as escolas era assim, e qualquer detalhe era motivo de risada e piada. Percebi que era só eu que podia me levantar, tentar ao menos ser feliz pra mim. Mas era sempre difícil achar razões. Aquelas que dão sentido a vida, que esquentam a nossa alma: essas eu não tinha. Mas Deus era muito bom comigo. Quando eu menos esperava me mandou anjos que me levantaram (quando terminar o texto cito os nomes de algumas pessoas).
Não era só no colégio que isso acontecia. Por muito tempo da minha vida frequentei uma igreja que tinha muitos jovens e adolescentes. Tinha até aqueles acampamentos sabe? Até que comecei bem nesse lugar. Algumas pessoas até me chamavam de amiga, então eu realmente achei que as coisas fossem mudar porque eram evangélicos, acreditavam em Deus. Pessoas misericordiosas, finalmente! Não. Não eram. Eram até piores. Lembro da minha primeira ida a esse acampamento. Me sentia feliz porque comecei a me sentir meio mulher, crescida. Mas quando menos percebi, lá estava eu de novo. Rodeada por preconceito de pessoas que se diziam minha amigas, irmãs e irmãos. Era como se tudo voltasse a tona e os piores dias voltassem a ser vividos. De novo enfrentei preconceito de minha própria família. Sofri isso realmente por muito tempo. E com meninos? Meu Deus! Era ainda pior. Todos tinham nojo. Olhavam como se fosse uma porca, um animal sem alma. Me enganavam dizendo palavras bonitas e no dia seguinte, todos os meus medos estavam ali, frente a todos. E as risadas ecoavam e batiam de novo em minha alma.
Decidi largar tudo, excluir tudo. Sempre tem o ponto final, aquilo que faz com que você finalmente se canse de tudo. Parei de frequentar esses lugares, parei de falar com milhares de pessoas. Simplesmente exclui de tudo, sem dó nem piedade porque afinal nunca tiveram isso para comigo. Então, porque eu deveria ter com aqueles que mais me machucavam?
Hoje em dia, algumas pessoas não entendem porque eu agradeço tanto a vida do meu namorado. Então, para essas pessoas eu vou explicar agora o porque que esse menino, Felipe da Silva Costa, salvou minha vida na maioria dos sentidos. E vem me salvando todos os dias. Ele viu além da camila gordinha. Viu que o meu coração é muito maior que tudo isso. Me achou bonita, me chamou de linda. Segurou minha mão, botou fé em mim. Queria me apresentar para os amigos, para a família. Tinha orgulho de dizer: Essa é minha namorada, ela é perfeita! Quis fazer amor comigo. Me fez mulher. Me pediu em namoro  e adivinha? Me deu até uma aliança! E ele é a única pessoa que sabe de toda essa história. Que sentou, ouviu, sentiu e chorou junto comigo todas essas mágoas que haviam sigo guardadas por anos. E sabe o que mais me tocou? Ele não se envergonhou em nenhum momento de nada. E prometeu me proteger e lamentou-se por não me conhecer a muito mais tempo, porque ele não deixaria tudo isso ter acontecido. Me senti aceita e livre. Um dos olhares mais doces que eu ganho hoje é, com certeza, o dele. E o que se passa entre o meu coração e o dele, isso ninguém nunca vai entender mesmo. E quando me falam: "Nossa, mais ele é seu primeiro namorado, deveria pensar antes de casar e tomar algumas atitudes porque vocês podem terminar um dia. E ele não é tão bom assim pra você...". Ele é sim. Ele sempre vai ser o que me salvou. Então, cada critica sobre ele sempre vai entrar por um ouvido e sair pelo outro.
Tive que aprender a secar minha feridas uma por uma e criar armaduras para me proteger. Com isso, as coisas começaram a mudar aos poucos. Eliminei da minha vida tudo o que já não me servia mais. Tirei de mim aquilo que só soube me magoar. E não vou mentir, foi uma caminhada difícil demais. Porque ja é difícil levantar-se com pessoas te ajudando, imagina sozinha?
Faço questão que todos leiam esse texto. Inclusive os que sofrem da mesma coisa. E até hoje ainda tem aqueles olhares... Na rua, na faculdade, na fila da lotérica, na esquina. E sempre vai ter, porque as pessoas são egoístas demais, com mentes muito pequenas pra entender a DIFERENÇA e entender que atrás dela tem sempre um CORAÇÃO que bate e que sente. A pele, a gordura, o nariz grande, a orelha, a magreza, o nerd, o emo, o homossexual, o diferente, o mendigo, o hippie, o nordestino, o carioca, o careca, o diferente... Todos eles seriam mais respeitados se ao menos uma vez na vida alguém sofresse um bully. Porque só quem passa por isso, aprende a ser humano. Aprende a ser rebaixado e levantar até o nível mais alto e se curar de um jeito ou de outro.
Eu poderia ter bolado um plano maligno: Wellington Menezes de Oliveira  também sofria bully. Mas não teve forças para lutar contra ele. Ele podia ter ajudado pessoas que sofriam com isso. Poderia ter usado a sua inteligência para criar métodos de não bully em escolas. Poderia ter ido a mais festas, poderia ter sorrido mais, poderia ter amado alguém de verdade. Poderia ter sido mais HUMANO, justamente por ter passado pela mesma situação. Mas ele escolheu o caminho difícil, da vingança, da dor. Não vou julgar ninguém, até porque não sou Deus ou quem quer que seja. Desejo que ele receba o pagamento que merece, no lugar em que esteja. E que as familias recebam o apoio e a paz que a alma necessita. E principalmente, que as pessoas PAREM COM O PRECONCEITO, pois é isso que cria seres NÃO HUMANOS que promovem essas desgraças.
Vou contar a vocês o caminho que eu escolhi. Virei voluntária do "Hospitalhaços" da Santa Casa de misericórdia. Lá eu aprendi que a minha gordura, o meu corpo era o que menos importava. Aprendi que eu era assim e só assim eu podia ser. Se quisesse mudar, ótimo. Mas naquele momento, eu era a Doutora Flor, a palhaça gordinha que era querida por cada criança em cada leito de UTI. Aprendi que o amor vem de graça: Você não TEM QUE SER para ganhar... Você só precisa mostrar a sua idéia, defender sua causa, sua certeza e apostar todas as fichas nisso, pra sempre. Ali eu não me escondia em uma máscara. Ali era a Camila: doce, feliz, alegre, simpática, amável, amada, engraçada, culta, séria quando precisava, protetora. Menina doce de sorriso fácil...A dona flor me fez crescer, a minha flor me fez mulher, me fez amadurecer. E é ela que eu mostro hoje a todas as pessoas que querem conhecer a Camila. Eu sou a Doutora Flor, formada no curso de besteriologia que envolve paz, amor, misericórdia, perdão, aceitação, felicidade, verdade, humildade. Essa escola eu ensino a todos que entram hoje em minha vida, com meu jeito de abraçar o mundo inteiro, de querer ajudar até aqueles que eu não conheço, de fazer sonhos impossíveis se realizarem.
Hoje eu sou eu. Com muito orgulho, com toda a minha gordice, gordura, ou como eu gosto "fofura". Para todos que lerem esse texto eu peço, imploro que tenham misericórdia das pessoas e não as julguem antes de ver o sorriso, tocar as mãos e ouvir o coração. Não deixem que o lado preconceituoso e rancoroso de vocês matem mais 12 crianças. Não deixem que a vida leve a inocência embora.
Cresça a cada situação ruim que aparecer. Conviva com seus erros, acertos. Conviva com seu corpo, sua mente, sua aparência. Entenda que você é o seu melhor instrumento, sua melhor chave para o destino, para a felicidade. Promova a paz, a aceitação, a amplitude de idéias diferentes. E finalmente, aceite. Ninguém nunca vai ser como você quer e nem você mesmo vai ser como você quer. Porque todos tem defeitos, todos erram, todos tem estrias, celulites, gordura localizada, bigode, pelos na perna e axila: PORQUE TODOS SÃO HUMANOS, E NÃO PERFEITOS.
Ame todos os dias cada um que passar por você. Ame para que um dia nesse mundo, por mais difícil que seja, o preconceito vá embora, e sobre a vida. A VIDA QUE TODOS MERECEM E DEVEM VIVER!


*

Os nomes que eu disse que citaria que sempre serão inesquecíveis: 


৩ Carlota: Ela foi a responsável por me dar a vida, por permitir que eu vinhesse a esse mundo para lutar. E foi desde de sempre essa luta e a minha vontade de viver. A ela dedico a minha vida inteira, meus textos e minha inspiração. Eu te amo, mãe!

৩ Alexandre: O cara que apareceu do nada, um anjo e mudou minha vida inteira. Ele foi tudo o que eu não tive, um pai, minha base de ter um homem com o titulo de pai se preocupando. A ele meu amor eterno!

৩ José Roberto e Patricia Freire: Os únicos que eu sentia amor de verdade, meu segundo pai, minha segunda mãe. Dou a vida pra ver cada sorriso!

৩ Alessandra Bezzegh: Tenho orgulho de considera-la minha irmã! Ela mora do outro lado do mundo, mas ela sente quando eu preciso dela e vice-versa. Ela foi a única que quis me conhecer, que chegou para ser amiga. Ela me ensinou muito desse jogo da vida... Obrigada minha querida! Eternamente grata por seu amor...

৩Nathan Brito: O cheiro de pitanga sempre vai me fazer lembrar dos nossos momentos. Você foi essencial pra mim, me fez acreditar em muitas coisas! Meu carinho é enorme por você!

৩ Tatiana Perugine: ANJA! viveu as mesmas coisas que eu e vou te admirar até o fim. Amor eterno a você!

৩ Larissa Lessa, Camila Araujo e Paulinha: Verdadeiras amizades que me fizeram acreditar que o amor pode existir, pode sobreviver! Elas estão até hoje em meu coração e de lá não vai sair tão cedo... Amor eterno!

৩ Izabela Ventura: Me encantou com seus textos, com sua história, com seu sorriso e carinho. Saudades do abraço e de fazer carinho no cabelo dela! Sempre vou sentir saudade, sempre vai ter amor aqui!

৩ Beatriz Mariano: A pequena que me abraçou quando tudo sempre caia aos meus pés. Obrigada pelos abraços e sorrisos!

৩ Maíra: Arretadíssima! Unha e carne, coração e alma... Irmã! Mesmo você estando tão longe de mim, te sinto perto, sinto seu abraço aqui. Se eu pudesse, te teria comigo a cada segundo! Te amo!

৩ Paola e Priscila: Duas amigas, irmãs, parceiras de risada que convivem comigo todas as manhãs. Tive o a sorte e o prazer de conhecer dois diamantes! Amo vocês!

৩ E o principal: Felipe Costa! Dele eu não preciso falar... Já disse TANTO! Eu te amo minha vida, eternamente!



Desejo que para a vida de todos esses Deus possa trazer sempre o bem. Que os caminhos sejam abençoados e mesmo que eu não fale mais com algumas pessoas, o meu coração sempre lembrará de cada palavra de amor dita por cada um deles.