5:30 tocou o despertador como de costume. Começou então o primeiro pensamento do dia: "sobrevivi". Ela levantou-se da cama cambaleando, torcendo para que alguma coisa acontecesse no meio do caminho que a fizesse não existir mais. Ela sentia ódio, frio, medo, solidão e principalmente: um vazio sem tamanho. Ainda eram 5:35 e ela já tinha tido todos os pensamentos mais sujos e perturbadores que poderiam existir. Era ela e o espelho a sua frente. Ficou parada arrumando um fio de cabelo e treinando qual dos tipos de falsos sorrisos usaria durante o dia. Escolheu o "simpática e doce".
Ela não sabia como conseguir se trocar, sair de casa e encarar as pessoas. Cada olhar sobre ela fazia sentir-se completamente insignificante, quase um ser inexistente. A cada passo era uma conspiração contra ela mesma, uma forma da mente dela acusa-la e diminui-la sempre. O dia não passava, as horas não a deixavam em paz. Tentava dormir, tentava sonhar e nada. Tudo a fazia lembrar de um passado que não a deixava em paz, que não permitia que fosse novamente feliz.
Abriu a gaveta e achou o remédio. Na bula dizia: "Alcytam é indicado para o tratamento de depressão e prevenção de recaída ou recorrência de transtornos do pânico com ou sem agorafobia e em transtorno obsessivo compulsivo". Não entendia porque aquela merda não fazia mais efeito porque a cada dia que passava sentia mais vontade de acabar com sua própria vida.
A sensação de vazio era indescritível. Sentava em sua cama e imaginava o que o mundo estaria fazendo de divertido enquanto ela planejava uma forma de não estar mais ali. Permanecia deambulando por seus caminhos entre o desespero e a ausência de uma alma. Em certo momento do dia não sentia mais frio, nem fome, nem dor. Ascendia um cigarro e imaginava seu corpo queimando junto com as cinzas. Brincava com a fumaça que passava entre seus dedos e assim permanecia durante horas.
Deitava em sua cama. Sentia-se absurdamente cansada, sem animo e sem vontade. Chorava por horas por tudo o que já havia passado, por tudo o que não conseguia deixar pra trás e por coisas que havia perdido por causa de sua tristeza sem tamanho. Não conseguia mais distinguir o que era real e o que era sua triste imaginação.
A menina que antes escrevia textos belos sobre como ser feliz e sobre esperança hoje espera por um milagre. Por qualquer coisa que a faça ter o minimo de vontade de existir novamente. Ela não sabia mais o que fazer para sorrir novamente. Na mente dela, bem no fundo, existia um desejo: sorrir. Mas algo a puxava e a empurrava para algo que não sabia como afastar.
Cordas invisíveis em seu pescoço, lâminas afiadas em seus braços... Suicídio lento. Foi então que ela percebeu que o pior tipo de suicídio era o da alma. Cortar-se ou morrer enforcado, nada disso. Morrer em vida é muito pior, é muito mais triste.
A noite ia chegando e ela ainda estava na cama. As horas passavam e ela ainda queria morrer. O mundo aos poucos a esquecia, e ela não se importava. A solidão havia virado companhia. Recebia um abraço caloroso de sua mãe quando essa chegava de seu trabalho. Alegrava-se por um minuto ao receber o único abraço que talvez a fizesse permanecer em vida. Mas nem isso afastava os pesadelos.
Escovava os dentes, penteava os longos cabelos. Deitava-se.
Fechava os olhos tentando espantar todos os demônios e imagens do passado que iam visita-la a noite. Derramava mais lágrimas por sentir-se uma completa inútil por ter perdido o controle de sua própria mente. Sofria em silêncio, sofria sozinha, acabando-se um pouco a cada dia. O coração batia tão devagar que era impossível senti-lo. Sua respiração era fraca, pausada, como se quisesse evitar essa dor. Finalmente adormecia.
Sonhava com coisas sem sentido e até nos sonhos via-se sozinha e triste. Acordava diversas vezes a noite, abria os olhos e sentia falta de alguma coisa ou de alguém que até sabia o que era mais não podia ter. Abraçava o travesseiro desesperada, como se fosse alguém que iria limpar suas lágrimas e secar o suor de sua testa. Encolhia-se na posição fetal, lutando para perder completamente a memória e voltar a flutuar nesse mundo. Fechava os olhos e caia no sono.
Novamente, tocou o despertador. Tormento, inferno. Cansaço, solidão. Ia começar de novo...